Os 95 anos de violação do túmulo de Maria Magdalena do Espírito Santo de Araújo, Beata Maria de Araújo, foram marcados por eventos realizados no fim e início de noite da última quarta-feira (22), na Praça que tem o nome da religiosa na histórica cidade de Juazeiro do Norte (CE). A programação contou com a organização dos membros do Movimento Pró-Memória em Defesa da Beata Maria de Araújo, que dedicou sua vida a fé cristã, vale frisar!
Tudo começou às 17 horas com a plantação de um baobá, que não é apenas uma árvore – é um símbolo de força, resistência e sabedoria. Conhecido como a “Árvore da Vida”, o baobá pode viver por milhares de anos e armazenar enormes quantidades de água em seu tronco, garantindo a sobrevivência em climas áridos. Desde os tempos ancestrais, o baobá é visto em diversas culturas africanas e até mencionado em lendas e histórias fascinantes.
Participaram desse momento, o professor, historiador e ator José André de Andrade; Carlos Gomide da Companhia Carroça de Mamulengos; o membro do Grupo Bacamarteiros da Paz, Francisco Gomes; o gerente do Parque Ecológico das Timbaúbas, Eduardo Aguiar; a gerente do Núcleo de Educação e Promoção da Igualdade Racial – Nepir/Secretaria da Assistência Social de Juazeiro do Norte, Iya Erbene; a professora de História da URCA e pesquisadora da obra de Padre Cícero, Fátima Pinho; o radialista Aluísio Jr; a atriz Joaquina Carla; o ator Assislan de Paiva, entre outros artistas e, ainda, membros de movimentos sociais.
A programação voltada à memória da Beata Maria de Araújo teve sequência na movimentada Praça Almirante Alexandrino de Alencar, que é mais conhecida como Praça Padre Cícero. Já era começo de noite, quando o acadêmico de Direito da URCA, Rafael Tobias, fez a leitura do manifesto intitulado “A Hóstia se Transformou em Sangue e o Tempo do Silêncio Acabou”, onde consta o célebre pensamento da Beata Maria de Araújo: “Juazeiro será a terra aonde os pecadores irão se arrepender e os justos irão perseverar”.
O manifesto distribuído aos presentes traz a curiosa pergunta: “Os devotos e devotas da atualidade e o povo de Juazeiro querem saber: Onde está Maria de Araújo?” O documento acrescenta: “A memória desta mulher, seu papel na história é patrimônio material e imaterial da cidade. Portanto, reivindicamos um posicionamento da Igreja sobre tais fatos. E das autoridades da cidade, reivindicamos medidas concretas de salvaguarda da memória da Santa Beata Maria de Araújo. O Padre Cícero, em sua grande sabedoria, dizia que chegaria o tempo de falar abertamente sobre o Milagre de Juazeiro. O tempo do silêncio acabou. Esse tempo chegou,” pontua o manifesto.
Logo após a leitura do importante documento, artistas, pesquisadores e estudiosos da história de Juazeiro foram contemplados com a performance “A Irmandade Secreta do Boi Santo” encenada pelo ator José André de Andrade. “Louvado seja a bendita alma santa de meu padrinho Cícero Romão Batista, a alma da minha santa madrinha Beata Maria de Araújo, o vulto santo de meu pai preto José Lourenço e a sagrada forma espiritual do Boi Santo. Espírito das reencarnações de todos os tempos, de todas as eras. Assim seja, Saravá! Saravá a Irmandade Secreta do Boi Santo”, disse o artista no decorrer de sua apresentação que chamava atenção dos transeuntes que passavam pelo logradouro naquele momento.
André de Andrade ainda enalteceu: “Aqui é a terra santa da mãe de Deus, o santo Juazeiro, terra prometida, lugar encantado, de provação, a santa Beata profetizou que era o lugar do pecador se redimir e o justo perseverar.” O artista também ressaltou: “O nosso povo sempre teve sua fé ligada à natureza e as coisas que se podia tocar e deixar uma marca viva para todos verem e ter fé, encontrando no Juazeiro a salvação para o corpo e para a alma.”
Ao som da música “Magnificat” executada na voz de Maria Bethânia, o artista encerra de forma emotiva a sua comovente apresentação com varetas, lembrando: “Na era de 1889 em uma primeira sexta-feira do mês de março, quando o meu padrinho Ciço deu a hóstia consagrada na boca da beata Maria de Araújo, que o sangue de Cristo se manifestou, foi o milagre. Milagre! Exclamou José André de Andrade enfatizando: “Nosso Senhor Jesus Cristo, escolheu esta terra para ser santa!”
O encerramento da alusiva programação contou com a divulgação do documentário “Onde Estão os Restos Mortais da Beata Maria de Araújo” feito pela Candieiros Produções, que pode ser visto pelo YouTube e, também, com a distribuição dos cordéis “Caminhões de Fé” de autoria do poeta Cícero J. A. Gonçalves (Soneca), que faz parte do Projeto SESC CORDEL. Outros destaques da noite foram os singelos quadros com a foto da Beata presenteados pelo artista Carlos Gomide, que recitou um bendito reverenciando a imagem da religiosa.
A Beata Maria de Araújo e sua história
Ela protagonizou o mais importante fenômeno do seu tempo: as transformações da hóstia em sangue, pelo qual enfrentou todos os preconceitos e perseguições da época. Além de uma mística religiosa, a Beata Maria de Araújo é vista, também, hoje, como um símbolo da consciência negra e indígena e mártir do povo de Juazeiro, nordestino e brasileiro.
No final do século XIX, as autoridades da Igreja Católica não aceitaram o Milagre da Hóstia e fizeram um conjunto de ações com a intenção de apagar a memória da Beata Maria de Araújo e a devoção popular, o catolicismo miscigenado que surgiu em Juazeiro do Norte, oriundo da identificação dos sertanejos, negros, índios, caboclos e brancos pobres que chegaram às romarias para reverenciar a Santa Beata Maria de Araújo, a Beata do Milagre.
Daí, a igreja começou proibindo falar do milagre, classificando o fato como embuste, e vetando o Padre Cícero de atuar como padre, suspendendo-o de suas ordens, além de ter prendido a Beata, sob severa vigília clerical. Ela morreu enclausurada e em silêncio em 1914. É importante lembrar, que esse silêncio foi imposto por causa do medo da excomunhão. Era proibido falar do milagre. Em obediência à Igreja, o Padre Cícero resolveu silenciar e pediu que os devotos e devotas também silenciassem. Portanto, as devotas e devotos da Santa Beata Maria de Araújo a veneraram em silêncio por mais de cem anos.
Com a morte da beata em 1914, seu corpo foi sepultado na Capela do Socorro, onde o túmulo de Maria de Araújo era um local de visitas dos romeiros e romeiras que vinham ao Juazeiro para venerar a Santa Beata e ouvir os conselhos do Padre Cícero, o padrinho conselheiro de milhares de nordestinos que pediam solução para os mais variados problemas sociais daquele tempo como fome, orfandade, violência e desemprego. A Igreja do Socorro precisava ser benta pelo bispo. Então, em 22 de outubro de 1939 o vigário do Juazeiro, Monsenhor José Alves de Lima resolveu destruir o túmulo da Beata Maria de Araújo para que a capela ficasse pronta para o bispo Dom Quintino benzer.
O fato é que, 95 anos depois deste acontecimento, não se sabe onde estão seus restos mortais. O que sobrou do seu corpo foi recolhido pelo Padre Cícero e registrado em cartório, como documento particular assinado pelo Padre Cícero Romão Batista, com os seguintes termos: “Neste vidro devidamente lacrado se acha tudo que se encontrou nos despojos mortais da Beata Maria de Araújo, quando em 22.10.1930 foi o seu túmulo aberto clandestinamente por ordem do Revmo. Vigário desta cidade, Monsenhor José Alves de Lima.”
- Texto: Eduardo Galdino
- Fotos: Aluísio Jr.

