Teve início na manhã da última quarta-feira (15), no Centro de Eventos do Ceará, em Fortaleza, a segunda edição do Festival Ceará Sem Fome. Na ocasião, três painéis destacaram as estratégias e a cooperação para o combate à fome. O evento contou com a participação de autoridades estaduais e municipais, além de representantes das agências da Organização das Nações Unidas (ONU).
Os dois anos de funcionamento das cozinhas do Ceará Sem Fome são celebrados pelo Festival, que segue até este sábado (18). Trata-se de um programa do Governo do Ceará que assegura diariamente mais de 130 mil refeições e transferência de crédito mensal para aquisição de alimentos.
“O evento é um encontro para valorizar e reconhecer o trabalho dos agentes das cozinhas e compartilhar os resultados e avanços do programa”, ressaltou a presidente do Comitê Intersetorial de Governança do Ceará Sem Fome e primeira-dama do Estado, Lia de Freitas. Ela ainda destacou: “Esta edição marca a saída de 150 mil pessoas da insegurança alimentar no Ceará [em 2024]. Também celebramos os dois anos de cozinhas do Ceará Sem Fome, quase três do programa Ceará Sem Fome, os 22 anos do Bolsa Família e os 80 anos da Organização das Nações Unidas”.
O Festival é visto como um espaço de formação e mobilização da sociedade cearense e de organismos internacionais na luta contra a insegurança alimentar.
O Ceará foi escolhido pela ONU para dar visibilidade a temas como a fome, a segurança alimentar e o direito à alimentação, fortalecendo o diálogo com diferentes setores da sociedade. “O Ceará foi escolhido para celebrar o Dia Mundial de Alimentação. Para nós é muito importante levar essa experiência para fora do País. No Brasil, já inspiramos outros estados brasileiros, como São Paulo, Bahia, Alagoas, Pernambuco, entre outros. Nosso trabalho leva as periferias do Ceará, todos setores da sociedade, nesse esforço coletivo”, enfatizou Lia.

- Diálogo e troca de experiências
Os três painéis da abertura falaram sobre a Alimentação como direito humano; Políticas de transferência de renda no enfrentamento à fome; e De mãos dadas por um futuro melhor e uma alimentação melhor.
A cooperação chegou a ser o ponto central do terceiro painel De mãos dadas por um futuro melhor e uma alimentação melhor, que teve a participação de Jorge Meza, representante da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO/ONU) no Brasil; Daniel Balaban, representante do Programa Mundial de Alimentos (WFP); e Hardi Vieira, do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA). A mediadora foi Lia de Freitas.
Segundo Jorge Meza, o programa Ceará Sem Fome é uma experiência prática que pode ser replicada em outros lugares do mundo, pois está fundamentada em quatro pilares: Vontade política que prioriza a erradicação da fome; Conjunto de políticas públicas articuladas que compreende a produção, qualidade e oferta de alimentos; Disponibilidade de recursos para políticas públicas; e Solidariedade.
“A fome é um problema global. Não podemos nos sentir países desenvolvidos se temos pessoas em subalimentação. O Brasil tem essa generosidade e, por meio da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, firmada no G20, essa solidariedade do Brasil se estende a outros países”, ressaltou Meza.
Já Daniel Balaban, representante do WFP, disse que repensar o modelo de sociedade e a cooperação devem fazer parte dos esforços globais para um futuro justo e sustentável. “A sociedade culpabiliza as pessoas que estão abaixo da linha da pobreza. Mas a culpa não é delas, é do modelo econômico que causa isso. A vida é muito além de correr atrás do pão de cada dia. O combate à fome é contra as desigualdades sociais”, pontuou Balaban.
E Hardi Vieira, do FIDA, reafirmou por sua vez, a parceria com o poder público para o combate à fome e à pobreza rural. “O Brasil ainda tem 6,5 milhões de pessoas que vivem em subnutrição grave. Dez milhões de crianças em insegurança alimentar. Além disso, 35% da população do Nordeste vive em insegurança alimentar. A missão não terminou, ainda temos um desafio grande, que vamos confrontar por meio de parcerias como o Ceará Sem Fome”, informou.
É importante lembrar, que, no Ceará, o FIDA é parceiro dos projetos Paulo Freire e Sertão Vivo, desenvolvidos pela Secretaria do Desenvolvimento Agrário (SDA), e Dom Helder Câmara, do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA).
* Dignidade humana e oportunidades
O primeiro painel detalhou conceitos sobre a alimentação como um direito humano, com o professor-doutor Manfredo Oliveira, docente da Universidade Federal do Ceará; e Socorro França, secretária dos Direitos Humanos do Ceará. A mediação ficou a cargo do secretário-executivo da Infância, Família e Combate à Fome da Proteção Social, Caio Cavalcanti.
Manfredo Oliveira diz que a fome é um ataque à vida humana, pois nega direitos ao indivíduo. “Quando os direitos não existem, o ser humano não existe. A fome é a negação mais radical possível da dignidade humana. O faminto é o primeiro sem direitos na história humana”, lembrou.
O professor aponta ainda, que o Estado deve agir para combater a fome direcionada por um tripé que consiste em uma sociedade economicamente viável, socialmente justa e ambientalmente sustentável.
“A alimentação como um direito social não foi prevista na Constituição Federal de 1988. A inclusão aconteceu apenas em 2010 por meio da Emenda Constitucional nº 64”, recordou a secretária Socorro França.
“O que acontece hoje com o Ceará Sem Fome é um exemplo para o Brasil. A proposta dessa política não é só alimentar através da comida, também é incentivá-la a alcançar outros patamares, ingressar no mercado de trabalho e sonhar”, complementou França.
O Ceará Sem Fome também promove além da segurança alimentar, qualificação profissional e renda. Até o momento, cerca de 21 mil pessoas são qualificadas para o mercado de trabalho por meio do eixo Ceará Sem Fome + Qualificação e Renda.
A ação é resultado do aprimoramento da política pública por meio de dados. Para discutir esse trabalho, o segundo painel Políticas de Transferência de Renda no Enfrentamento à Fome contou com os palestrantes Alfredo Pessoa, diretor-geral do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece); Ilana Bezerra, e a professora do curso de Nutrição da Universidade Estadual do Ceará (Uece). O secretário do Planejamento e Gestão (Seplag), Alexandre Cialdini, foi o mediador do painel.
O Ceará Sem Fome tem um parceiro presente desde o seu diagnóstico, que passou pela elaboração da política pública e avaliação dos resultados. É o Ipece. “Em 2022, dados mostraram que a fome relacionada à extrema pobreza ainda era um problema persistente no Ceará”, explicou Alfredo Pessoa acrescentando: “De 2023 a 2024, o Ceará conseguiu reduzir a insegurança alimentar grave, que significa fome. A gente pode inferir uma relação de causa e efeito entre o Ceará Sem Fome e esse recuo”, finalizou Alfredo.
Conforme a professora Ilana Bezerra, os dados também são essenciais para compreender como o Ceará Sem Fome garante, na prática, segurança alimentar e nutricional, como a disponibilidade e qualidade do alimento ofertado. “As cozinhas, por exemplo, favorecem a disponibilidade na oferta de alimento com redução de preço e valorização da cultura alimentar”, diz Ilana.
Ela reforça também, que a gestão pública deve usar os dados para lidar com o desafio da má alimentação, que inclui desnutrição e obesidade na população. “A educação alimentar e nutricional é fundamental, mas regulamentar o ambiente educacional, como fez o Ceará ao ser o primeiro governo estadual brasileiro a proibir os alimentos ultraprocessados nas escolas públicas e privadas, é um grande passo”, reconheceu a professora Ilana Bezerra.
* Texto: Eduardo Galdino
*Fotos: Thiago Gaspar – Casa Civil
